A comissão de juristas encarregada da revisão e atualização do Código Civil está realizando um esforço concentrado no Senado nesta semana, de 1º a 5 de abril, com o objetivo de votar o relatório final contendo propostas de alteração em mais de mil artigos, abordando temas de difícil consenso, como direito da família, dos animais e de propriedade.
O professor e jurista Flávio Tartuce, um dos relatores da reforma do Código Civil, ressalta que ainda não foi aprovado um relatório final e que muitas emendas e destaques já foram feitos ao anteprojeto apresentado em fevereiro.
Ele enfatiza: "O Código Civil sempre gera debates, pois aborda a vida do cidadão desde antes do nascimento até depois da morte. É normal que haja divergências. No entanto, também há polêmicas oportunísticas de pessoas que buscam destaque, e a grande maioria delas nem sequer leu o material".
O Código Civil brasileiro recebeu essa denominação em 1916. Posteriormente, foi substituído pelo código atual, que passou a vigorar em 2002, após quatro décadas de debates. Alguns críticos argumentam que o código atual tem apenas 22 anos, o que seria considerado cedo para uma revisão.
Em resposta a esse argumento, Tartuce destaca que a velocidade das mudanças na sociedade está aumentando exponencialmente, com transformações particularmente intensas ao longo das últimas décadas. Quando o Código Civil atual foi aprovado, por exemplo, não existiam smartphones no país. "O código atual é analógico, é necessário atualizá-lo para o mundo digital", ressalta o professor.
A iniciativa de criar uma Comissão de Juristas para revisar o Código Civil partiu do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD/MG). Após ser questionado por senadores conservadores, ele defendeu a iniciativa no plenário da Casa, afirmando que o objetivo não é elaborar um "novo Código Civil", mas sim preencher lacunas no código atual. "É um trabalho totalmente independente. A decisão final cabe ao Parlamento", afirmou.
Presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Comissão de Juristas é composta por 36 especialistas no assunto. Os relatores são o professor Flávio Tartuce e a desembargadora Rosa Maria de Andrade Nery. O grupo recebeu um prazo de 180 dias para apresentar ao presidente do Senado, Pacheco, um projeto de lei com as novas propostas para o Código Civil. Esse prazo se encerra em 12 de abril.
Com um extenso corpo de mais de 2 mil artigos, o Código Civil abrange todos os direitos relacionados à personalidade do indivíduo e às interações na sociedade, abordando questões como casamentos, contratos, heranças e direitos empresariais, entre outros tópicos. Em um artigo notável, o jurista Miguel Reale descreveu essa legislação como "a Constituição do homem comum".
Mudanças
- Logo no artigo 1º, um dos relatórios parciais já apresentados propõe um novo parágrafo para inserir no Código Civil os direitos e deveres previstos em tratados internacionais aderidos pelo Brasil, a chamada “personalidade jurídica internacional”.
- No artigo 2º, o texto da relatoria-geral propõe inserir a previsão de que a personalidade civil “termina com a morte encefálica”, o que é visto como uma tentativa de facilitar a doação de órgãos, por exemplo.
- Outra proposta prevê que os animais passem a ser considerados “objetos de direitos” de natureza especial, na condição de “seres vivos dotados de sensibilidade e passíveis de proteção jurídica”. O ponto traz para o Código Civil interpretações que já tem sido feitas no dia a dia do Judiciário, que precisa lidar, por exemplo, com a tutela de bichos de estimação no caso de separação de casais.
- No livro de direito de família foi proposta a mudança de nome para "das famílias", no plural. Foi proposta também a criação de uma nova figura jurídica, chamada de “convivente”, além do “cônjuge”, para descrever as uniões estáveis.
- Relatório parcial prevê a exclusão do cônjuge ou convivente como herdeiro necessário. Isso significa que o companheiro ou companheira pode ser excluído da herança, sendo obrigatório somente descendentes e ascendentes entre os herdeiros. Segundo justificativas de membros da comissão, a intenção é atualizar o Código Civil em relação aos relacionamentos muito mais fluidos na atualidade.
- Uma das propostas é a inserção de um livro novo no Código Civil, para tratar de direito digital. Alguns dos artigos, por exemplo, preveem a validade das locações por meio de aplicativo, como de carros, quartos ou casas. Outro ponto é a regulação das assinaturas eletrônicas.
- O Código Civil atual prevê que todos que possuem alguma propriedade têm o direito de manter a posse sobre ela em caso de turbação ou esbulho, e de ter essa posse protegida. Uma das propostas apresentadas prevê que esses direitos poderão ser exercidos também coletivamente, "em caso de imóvel de extensa área que for possuído por considerável número de pessoas".
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*Com informações R7