Política Ideologia
 A Utopia desfeita: Haddad e a ausência de direção da esquerda brasileira
Em entrevista, o ministro da Fazenda revela o vácuo ideológico da esquerda e critica privatizações, mas ignora o legado petista de patrimonialismo
17/10/2024 10h58
Por: Tatiana Lemes
Foto: Reprodução

Em uma entrevista reveladora à Folha, Fernando Haddad expôs a falência do pensamento esquerdista contemporâneo, ao discorrer sobre o "desaparecimento" de referências clássicas da esquerda mundial: o sistema soviético, o nacional-desenvolvimentismo e a social-democracia europeia. A sua confissão sobre a falta de um “sonho utópico” mais concreto para a esquerda é emblemática. Ele reconhece que, apesar de todos os problemas desses modelos, eles representavam promessas, ou seja, a própria essência da política: um projeto.

Ao tentar minimizar essa crise, Haddad insiste que não é apenas a esquerda que está à deriva, mas também o liberalismo, que estaria mergulhado em uma "direita iliberal" que abocanha o Estado por meio de privatizações. Essa retórica, no entanto, é uma tentativa clássica da esquerda de deslegitimar reformas necessárias, insinuando que a privatização é sinônimo de corrupção estatal. A história já mostrou que o verdadeiro patrimonialismo se caracteriza pela apropriação do Estado como uma extensão de interesses privados, uma prática que o PT e seus aliados conhecem bem.

Ao classificar o governador Tarcísio de Freitas como um “extremista”, Haddad se apressa em rotular a oposição sem considerar as nuances. O governador, que já teve um papel importante sob a gestão de Dilma Rousseff, parece ser um alvo político conveniente para o ministro, que se vê pressionado pela necessidade de reforçar a base do governo Lula em um cenário eleitoral em transformação.

Haddad critica a política de Tarcísio, mencionando medidas que questionam a democracia e direitos sociais, mas ignora que sua própria sigla, o PT, se aliou a um partido como o PSol, que defende abertamente um programa anticapitalista. Esse paradoxo ilustra a contradição da esquerda ao tentar se apresentar como guardiã da democracia enquanto flerta com extremos que vão na contramão do que pregam.

Ao afirmar que "os clowns da direita distópica ocuparam o picadeiro", Haddad não percebe que o circo da política brasileira, saturado de personagens caricatos, é um reflexo do próprio desespero da esquerda em se reinventar. O que se vê é um cenário onde todos disputam espaço, enquanto a ausência de propostas concretas e viáveis se torna evidente. Em um mundo onde até a figura de Emmanuel Macron, mencionada por Haddad, é utilizada para criticar a direita liberal, esquecem-se os problemas reais que os líderes enfrentam, como a dívida pública crescente da França.

A realidade é que, sem uma diretriz clara, a esquerda, simbolizada por Haddad, caminha em círculos, tentando encontrar um caminho em meio a promessas vazias e a um cenário político que exige mais do que discursos. A inércia ideológica é um entrave que apenas perpetua a ineficiência e a perda de credibilidade, tanto para a esquerda quanto para a direita que se diz liberal. O desafio é encontrar um novo caminho, antes que o picadeiro se transforme em um verdadeiro caos político.

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