
O piloto Henrique Traugott Binder Galvão informou nesta terça-feira (28) à CPMI do INSS que duas aeronaves utilizadas pela Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer) pertenciam a Vinicius Ramos da Cruz, cunhado do presidente da entidade, Carlos Roberto Ferreira Lopes. Relator da CPMI que investiga fraudes contra aposentados e pensionistas por meio de descontos ilegais a associações e sindicatos, o deputado federal Alfredo Gaspar (União-AL) vê como suspeitas as vendas dos aviões, hoje em nome do secretário da Conafer, Silas da Costa Vaz.
O piloto disse ter somado 100 horas de voo em um dos aviões, tendo sido contratado e pago pela Conafer, entidade que, de acordo com a Polícia Federal, teria sido uma das mais beneficiadas com o esquema de descontos ilegais entre 2019 e 2024. Piloto há 14 anos, Henrique Galvão prestou depoimento à CPMI na condição de testemunha por ser um dos pilotos que mais fez voos em aeronaves ligadas à Conafer.
O relator quis saber do piloto quem fazia os pagamentos para bancar o abastecimento e outros possíveis custos de operação da aeronave. Segundo Henrique Galvão, o responsável por essa operação era o seu amigo de infância Leandro Almeida, morador de Brasília e também natural de Pará de Minas (MG). Ainda de acordo com o depoente, o amigo o teria indicado para trabalhar como piloto para a Conafer em setembro de 2024.
— Essa informação não passava por mim [custo e pagamento do combustível]. Eu tinha um responsável que fazia a coordenação das nossas operações e todos os débitos, todos os custos que eram gerados das nossas operações era passado para ele para que ele fizesse o pagamento ou me reembolsava — declarou Galvão.
Para confirmar o que dizia, o piloto telefonou para Leandro Almeida. Em viva-voz, o amigo informou à CPMI que pilotou as aeronaves em 2024, por cerca de seis meses antes de o depoente assumir o posto. Almeida disse ter somado 90 a 100 horas de voo para a Conafer, cerca de 40 horas para transporte do presidente da Conafer,Carlos Roberto Ferreira Lopes. E que à época a aeronave pertencia a Vinícius Ramos da Cruz, cunhado de Lopes.
Ainda pelo telefone, Almeida afirmou que recebia pagamentos por transferência bancária da Conafer. Ele também confirmou ter voado com parlamentares, mas o transporte seria feito em outras aeronaves, quando trabalhava para o deputado Euclydes Pettersen (Republicanos-MG). Os voos não seriam nas aeronaves cuja negociação levantou as suspeitas.
De acordo com o relator da CMPI, o atual dono dos aviões, Silas da Costa Vaz, não teria rendimento compatível para comprá-las e custear sua manutenção. Segundo Henrique Galvão, o valor da aeronave modelo Beechcraft Baron 58, um bimotor de seis lugares, custaria em torno de R$ 1,8 milhão. Caso a aeronave fizesse 10 horas de voo mensalmente, ainda conforme o piloto, teria uma custo de manutenção de R$ 40 mil por mês. Já a segunda aeronave, um Cessna modelo 172RG (prefixo PR-ATM), teria valor de mercado em torno de R$ 550 mil.
— O Silas da Costa Vaz é um morador daqui de Brasília, que está como proprietário dessas duas aeronaves — acrescentou o deputado Alfredo Gaspar, salientando que o secretário da Conafer mora com a família em uma casa simples no Recanto das Emas, no Entorno de Brasília.
Ainda conforme as investigações, ambos teriam sido compradas pela Conafer diretamente do presidente do Instituto Terra e Trabalho (ITT), Vinícius Ramos da Cruz. O ITT, por sua vez, seria uma ONG ligada à Conafer.
Alfredo Gaspar também questionou Henrique Galvão se ele já teria voado com algum parlamentar a bordo ou um funcionário público federal. Ele quis saber sobre registros no diário de bordo e se haveria possibilidade de acessar esses dados para auxiliar na investigação.
— O seu diário de bordo, se é que existe um diário de bordo seu, continha o nome dos passageiros? — questionou.
O piloto respondeu que o diário de bordo apenas registrava informações sobre tempo de voo e destino, sem qualquer detalhe sobre os passageiros. Segundo Galvão, a lista com o nome dos passageiros fica com a documentação das aeronaves e ele não saberia informar com quem estariam. O relator insistiu em saber como ter acesso a essa documentação.
— No Aeroporto Planalto Central, conhecido como Botelho aqui em Brasília — respondeu o piloto, ao indicar que o aeroporto, localizado no Distrito Federal, na região administrativa de São Sebastião, onde poderiam ser obtidos os documentos.
Henrique Galvão informou que chegou a fazer parte do quadro de servidores da Câmara dos Deputados, no gabinete do deputado Marcelo Alvaro (PL-MG), para o qual teria exercido atividade de piloto.
— Fizemos alguns voos para o interior de Minas — disse, informando que os voos não ocorreram nas aeronaves da Conafer.
O piloto informou que se desligou do cargo e atualmente trabalha em uma empresa em Belo Horizonte. Ele também disse que não opera mais em voos na Conafer em razão de inadimplência.
O deputado Rogério Correia (PT-MG) considerou um ponto a ser melhor investigado o fato de a aeronave modelo Beechcraft Baron 58 ter sido comprada por Silas Vaz ao valor de R$ 2,5 milhões, sendo que Vinícius Ramos, do Instituto Terra e Trabalho (ITT), a teria comprado antes por R$ 1 milhão. Além disso, Correia levantou suspeita em relação ao processo de compra e venda da segunda aeronave. De acordo com Rogério Correia, documentos levantados pela Polícia Federal indicariam que o Cessna modelo 172RG pertencia ao deputado Euclydes Pettersen antes de ser vendido a Vinícius Ramos.
— A informação é que ele [Euclydes Pettersen] teria vendido por R$ 400 mil em março de 2023 para o Vinícius Ramos, que é o presidente do ITT. Então, ele vende o Cessna por R$ 400 mil, e depois o Silas compra por 700 mil. O senhor tem também essa informação? — quis saber Rogério Correio.
A testemunha disse que não tinha conhecimento sobre essa negociação.
O deputado Rogério Correia também perguntou se o piloto teria conhecimento sobre o possível uso de emenda parlamentar em operações envolvendo a Conafer. Dados da Polícia Federal e de informações que chegaram à CPMI indicariam que o deputado Euclydes Pettersen teria destinado R$ 2,5 milhões à entidade através de emenda parlamentar ao ITT, que é ligado à Conafer. Segundo o deputado Marcel Van Hatten (Novo-RS), matérias noticiadas pela imprensa dão “a entender que haveria ligação com a compra dos aviões”.
— O próprio deputado Euclydes Pettersen usou a tribuna para falar sobre o assunto, disse que me apresentaria os documentos. Até agora não recebi formalmente. Mas é muito difícil não acreditar em vinculação entre esses valores e aquilo que foi pago nessas aeronaves. Mas ele vai ter tempo de defesa e espero que atenda aqui, inclusive, um convite da comissão — disse Van Hatten.
Em resposta ao presidente da CPMI, senador Carlos Viana (Podemos-MG), o piloto informou que as principais rotas operadas por ele a pedido de pessoas ligadas à Conafer era entre Governador Valadares (MG), Ribeirão Preto (SP) e Brasília.
Ele ainda esclareceu que o aeroporto Botelho, em Brasília, é público e que durante o embarque e desembarque não havia qualquer controle de passageiros ou raio x para verificação de bagagens. Ele ainda disse desconhecer a especificidade de itens, objetos e malas que eram transportadas nesses voos, o que levantou suspeitas de alguns parlamentares.
O vice-presidente da CPMI, Duarte Jr. (PSB-MA), chegou a afirmar que o piloto, em se confirmando o transporte de pessoas envolvidas com negócios suspeitos ou com o transporte de itens, dinheiro ou substâncias irregulares, pode ser responsabilizado penalmente, com o possível enquadramento em lavagem de dinheiro, falsidade ideológica, associação criminosa e uso de cargo público para prática de ilícitos.
— Você é responsável objetivamente pelas pessoas que transportou. Você é responsável objetivamente pelos bens que você transportou. E não tem aqui como dizer que você não sabia, até porque você inicialmente declarou que é neto de um piloto, que é filho de um piloto, que tem tios que são pilotos, ou seja, você nasceu na aviação — argumentou o deputado.
A reunião da CPMI, que teve início às 9h32, terá uma segunda etapa, com depoimento do empresário Domingos Sávio de Castro. Segundo o relator, o empresário tem relações financeiras com entidade associativa que teria enviado valores a Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como "Careca do INSS".