
Nem tudo é secreto no exercício da atividade que trabalha com informações consideradas secretas para o Estado Brasileiro. Tendo como base os princípios democráticos do país, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) divulgou, nesta terça-feira (2), uma publicação contendo os principais desafios para o próximo ano, no intuito de antecipar as ameaças contra a segurança do Estado e da sociedade.
A segurança no processo eleitoral e ataques cibernéticos com inteligência artificial (IA) estão entre esses desafios. Em 2026, os brasileiros vão às urnas para eleições gerais de Presidente da República, governadores, senadores e deputados (federais, estaduais e distritais).
A publicação Desafios de Inteligência Edição 2026 ajudará a Abin a cumprir, de forma transparente, seu papel institucional de assessorar a presidência da República na tomada de decisões – inclusive para formular políticas –, bem como para salvaguardar conhecimentos considerados sensíveis para o Estado brasileiro.
O levantamento contou com a ajuda de especialistas de universidades, instituições de pesquisa e agências governamentais, no desenvolvimento de informações relativas a questões como clima, tecnologia, demografia, saúde e migrações, além de análises sobre as situações internacional e regional.
O material detalha cinco desafios para lidar com riscos diretos e indiretos para a segurança do país:
O relatório que projetou os riscos para 2025 destacou desafios relacionados ao agravamento da crise climática; às alterações dos padrões populacionais; à aceleração da corrida tecnológica; e ao acirramento da competição entre potências mundiais.
“Ao longo do ano, vimos essas dinâmicas internacionais ganharem mais proeminência”, relatou o diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Corrêa, durante a apresentação do documento.
Com relação ao contexto geopolítico, Corrêa destacou, na edição 2026, o emprego de instrumentos econômicos como fatores de pressão política; e a escalada de ameaças militares a países latino-americanos – inclusive fronteiriços com o Brasil.
Destacou também a competição acirrada pela dianteira no desenvolvimento e uso da inteligência artificial (IA).
De acordo com a Abin, o cenário atual é de multipolaridade desequilibrada e desinstitucionalizada, tendo como fator central a competição estratégica entre EUA e China.
A agência acrescenta que a situação mundial atravessa um “período de profunda reconfiguração”, impulsionado por confluências entre clima, demografia e tecnologia, em um cenário de “desestruturação da ordem internacional”.
Tudo isso em meio ao acirramento da competição entre grandes potências.
Na avaliação da Abin, há ameaças "complexas e multifacetadas”, no que se refere ao processo eleitoral de 2026.
Essas ameaças têm, como “vetor principal”, tentativas de deslegitimação das instituições democráticas, como as que culminaram na invasão às sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023, em um cenário de manipulação de massas e disseminação de desinformação em larga escala.
“Adicionalmente, a integridade do pleito é desafiada pela crescente influência do crime organizado em territórios sob sua influência e pelo risco de interferência externa voltada a desestabilizar o processo eleitoral e favorecer interesses geopolíticos estrangeiros”, diz o documento.
O documento propõe, sob a ótica da atividade de inteligência, que o Estado fique atento também às transições nos domínios do clima, da demografia e da tecnologia, em um contexto marcado pela alta densidade das interações e das interdependências – em especial da energia, da informação e dos transportes.
Sugere, ainda, foco nos “impactos sem precedentes” da Era Digital.
Com relação às questões tecnológicas, o relatório aponta como “desafio nevrálgico” do país a garantia de uma soberania digital.
Entre as dificuldades previstas para se atingir esse objetivo, ela destaca a dependência estrutural de hardwares estrangeiros e a concentração de poder em big techs: “essas empresas monopolizam dados e desafiam estruturas estatais, ameaçando a autonomia decisória nacional”, alerta a Abin.
A agência, no entanto, destaca os avanços do Brasil na área de cibersegurança. O país, segundo ela, vem desenvolvendo tecnologias de ponta, como a do aplicativo de mensagens governamentais, que faz uso de criptografia pós-quântica.
A rápida evolução da IA pode fazer desta ferramenta um “agente ofensivo autônomo, capaz de planejar, executar e adaptar ataques”.
Isso pode, em algum momento, elevar o risco de alguma escalada, fazendo com que incidentes cibernéticos possam resultar em conflitos militares, por exemplo.
A Abin conta com um quadro de especialistas em criptografia, ferramenta que é considerada pilar da soberania digital e da segurança governamental , em especial no que se refere a comunicações sigilosas e transações digitais.
Diante da evolução tecnológica, a agência antevê riscos que deverão surgir a partir do advento da computação quântica – algo que, no prazo de 5 a 15 anos, tornará obsoleta a atual criptografia de chaves públicas.
Nesse sentido, a Abin considera urgente uma transição para algoritmos pós-quânticos que não dependam de tecnologias estrangeiras.
A Abin enxerga no domínio digital a “arena central” da competição geopolítica; e as big techs como “vetores de influência de seus Estados-sede”.
“Nesse contexto, a dependência de provedores externos em infraestruturas críticas (nuvem, dados, identidade digital) é uma vulnerabilidade estratégica severa para o Brasil”, destaca a agência ao afirmar que essa dependência tecnológica pode levar à interferência externa.
Como exemplo, a Abin cita a chamada guerra cognitiva, em geral catalisada por alguma desinformação algorítmica. Cita também o risco de espionagem com o objetivo de acessar dados sensíveis.
Ainda entre os desafios citados para 2026 está a reconfiguração das cadeias globais de suprimento.
Segundo a agência, essa reconfiguração foi impulsionada por fatores como a ascensão chinesa; a guerra econômica com os EUA; e as vulnerabilidades expostas durante a pandemia da covid-19.
“A conjuntura atual é marcada por uma desglobalização deliberada, que prevê tarifas agressivas e a desvalorização do dólar, acelerando a queda de sua participação nas transações globais.”
No caso do Brasil, o país se vê em uma posição de dependência dupla. Uma delas é relacionada à China, país que garante ao Brasil superavit comercial por meio da comercialização de commodities .
A outra dependência é do capital e de tecnologias ocidentais para investimentos, com destaque para os Estados Unidos.
Na avaliação da Abin, as mudanças no clima e nas estruturas populacional e tecnológica geram riscos e também oportunidades.
A agência lembra que o aquecimento global encontra-se em ritmo acelerado, e que 2024 foi o ano mais quente já registrado tendo ultrapassado em 1,5 grau Celsius (ºC) a temperatura média do período pré-industrial.
Lembra também que as catástrofes têm aumentado no Brasil, com incidentes anuais ocorrendo com uma frequência cada vez maior.
Entre os exemplos citados estão a seca amazônica e as inundações no Rio Grande do Sul, ocorridas em 2024.
“Os impactos setoriais são severos, com perdas anuais de R$ 13 bilhões”, alerta a Abin.
Com o desmatamento da Amazônia e a redução dos chamados “rios voadores”, que distribuem água a outras regiões do país, a situação energética também fica vulnerável.
Nesse caso, as perdas anuais giram na faixa de R$ 1,1 bilhão – o que corresponde a uma perda anual estimada de quase 3,8 mil gigawatts-hora (Gwh).
Ainda em meio às contextualizações apresentadas pela publicação estão os riscos relativos à segurança alimentar: há estimativas de que 46% das pragas agrícolas piorem até o ano de 2100.
Outro desafio é a elevação do nível do mar, que colocará em risco tanto infraestruturas críticas como a população costeira do país.
O levantamento feito pela Abin cita também o aumento da longevidade da população mundial associado à queda da taxa de fecundidade que, segundo a agência, vai reconfigurar as perspectivas para o futuro.
Outro alerta diz respeito à saída de brasileiros qualificados profissionalmente para viver em outros países, em um contexto de competição por talentos.
Sobre o Brasil ser destino migratório de cidadãos estrangeiros, a Abin avalia que isso vai impor desafios à prestação de serviços essenciais e também à segurança nas fronteiras, além de implicar eventuais riscos advindos do crime transnacional.
O entorno estratégico sul-americano tem se tornado, segundo a Abin, em um “espaço cada vez mais permeável às disputas geopolíticas globais”, com as potências mundiais disputando o controle de recursos estratégicos como lítio, terras raras e petróleo, além dos recursos naturais da Bacia Amazônica.
“A China consolidou-se como principal parceiro comercial, enquanto os EUA têm exercido crescentes pressões por alinhamento, incluindo ameaças militares”, diz o documento.