
Nos últimos dias, o país inteiro foi capturado por uma narrativa frenética sobre tornozeleiras, fuga e uma prisão preventiva controversa. A história tomou as manchetes, dominou debates televisivos e ocupou o imaginário coletivo com uma força quase coreografada. Entretanto, à medida que a fumaça dessa narrativa se espalha, outro tema — bem mais delicado, bem mais sensível, e muito mais relevante para a saúde de nossas instituições — permanece fora do radar da grande mídia.
A relação entre a família do ministro Alexandre de Moraes e o Banco Master.
O fato é público: familiares do ministro, incluindo sua esposa e filhos, atuam profissionalmente como advogados ligados ao dono do banco, uma das instituições financeiras mais influentes do país. É uma relação juridicamente possível, é verdade — mas politicamente explosiva. Em qualquer democracia madura, vínculos desse tipo exigiriam escrutínio rigoroso, transparência absoluta e blindagem institucional para evitar conflitos de interesse, reais ou percebidos.
Mas não no Brasil.
Aqui, fala-se da tornozeleira.
A pergunta óbvia é: por quê?
Por que um tema tão sensível — envolvendo relações profissionais de familiares diretos de um ministro que concentra poder decisório sem precedentes no Supremo — desaparece da cobertura jornalística? Por que não existe uma única reportagem investigativa aprofundada? Por que não há questionamentos? Por que a imprensa finge que não vê?
Quando um assunto delicado é ignorado e outro — muito menor — é amplificado, o país tem todo o direito de desconfiar.
E o contexto piora quando analisamos a cronologia: o pedido de prisão de Bolsonaro foi elaborado antes mesmo do episódio da tornozeleira explodir na imprensa. A narrativa da “violação” entrou apenas depois, com precisão cirúrgica, quase como um roteiro pronto para ocupar o debate público.
É aqui que a cortina de fumaça aparece.
Enquanto o Brasil discute um equipamento eletrônico, ninguém pergunta sobre a relação entre a família do julgador e interesses privados relevantes.
Enquanto manchetes criam um clima de urgência emocional, ninguém questiona se o país está convivendo com zonas cinzentas perigosas entre o poder político, jurídico e econômico.
Enquanto se constrói a tese de uma “crise de tornozeleira”, questões muito maiores seguem escondidas nos bastidores.
Este não é um ataque pessoal.
Não é acusação.
Não é ilação.
É jornalismo.
É questionamento legítimo.
É o exercício mínimo da democracia.
Porque, se há um momento em que o Brasil precisa de luz, ele é agora. Se há um tema que exige transparência, é este. E se há um direito que não pode ser sufocado, é o direito do povo de saber quem se relaciona com quem, quem influencia o quê, e o que pode estar sendo escondido atrás do espetáculo narrativo da vez.
A tornozeleira passou a ser o centro do debate.
Mas talvez nunca tenha sido o centro da história.
E quando a atenção é desviada para algo pequeno, a pergunta mais importante é sempre a mesma:
O que é que não querem que você veja?