
Ao longo da minha caminhada ministerial e cívica, aprendi que a fé cristã autêntica jamais foi um convite à omissão. Desde cedo compreendi que amar o Brasil exigia mais do que discursos piedosos; exigia presença, enfrentamento e disposição para estar onde as decisões são tomadas. Foi assim que percorremos estados, cidades e capitais, retornando inúmeras vezes a Brasília — não como espectadores, mas como sentinelas em tempos de avanços silenciosos e profundos.
Vivemos intensamente as Jornadas em Defesa da Vida e da Família, participamos ativamente dos Congressos da FENASP e da CONCEPAB, além de inúmeras conferências e mobilizações nacionais. Em cada uma dessas frentes, o propósito era claro: alertar a Igreja brasileira de que não se tratava apenas de disputas políticas momentâneas, mas de uma mudança estrutural de valores, cultura e cosmovisão em curso no país.
Enquanto muitos ainda acreditavam que tudo se resolveria nas urnas ou com alternância de governos, já era perceptível que uma ideologia avançava de forma metódica, paciente e estratégica. O que hoje se convencionou chamar de marxismo cultural não surgiu repentinamente. Ele se consolidou enquanto grande parte da Igreja se recolhia ao templo, convencida de que sua missão se limitava ao cuidado da vida espiritual individual, deixando o espaço público entregue a outros projetos.
Esse foi um dos nossos erros mais significativos: reduzimos o Evangelho à esfera privada. Construímos, muitas vezes sem perceber, uma teologia que salva indivíduos, mas se omite diante das estruturas; que trata o pecado pessoal, mas ignora os sistemas que moldam consciências, valores e comportamentos coletivos. Ao fazer isso, abandonamos campos decisivos como a educação, a cultura, a arte, a mídia e a política.
O avanço ideológico compreendeu algo que a Igreja negligenciou por décadas: quem forma a mente governa o futuro. Houve investimento consistente em universidades, produção intelectual, formação de professores, linguagem simbólica e ocupação institucional. Em contrapartida, a Igreja, em muitos momentos, desprezou o pensamento crítico, demonizou a academia e se afastou do debate público. Formamos bons pregadores — e isso é essencial —, mas falhamos em formar intelectuais cristãos preparados para atuar na esfera pública.
Também erramos teologicamente ao confundir espiritualidade com alienação social. Textos bíblicos foram usados para justificar a fuga do compromisso histórico, como se o Reino de Deus fosse alheio à realidade concreta. No entanto, Jesus não foi partidário, mas foi profundamente transformador. Ele confrontou sistemas, denunciou hipocrisias, redefiniu valores e restaurou a dignidade humana. A Igreja primitiva não se isolou do mundo; ela o influenciou.
Quando o avanço ideológico se tornou evidente, nossa reação foi, em muitos casos, tardia e mal articulada. Faltou preparo técnico, domínio jurídico e compreensão da linguagem contemporânea. Muitas vezes reagimos com indignação, mas sem estratégia; com zelo, mas sem método. Isso facilitou a construção de estereótipos que rotularam o cristão como ignorante, retrógrado ou inimigo da cultura.
No campo espiritual, também falhamos no discernimento. Tratamos a questão apenas como um problema de pecados individuais, quando estávamos diante de fortalezas ideológicas, estruturas de pensamento e batalhas pela mente. Houve oração — e ela é indispensável —, mas faltou a compreensão de que a guerra espiritual também se trava no campo das ideias, da linguagem e da formação cultural.
Enquanto isso, a Igreja se fragmentava em disputas internas, vaidades denominacionais e conflitos por espaço religioso. Gastamos energia competindo entre nós, enquanto uma ideologia se organizava em projeto de longo prazo. Uma Igreja dividida dificilmente sustenta uma cosmovisão pública ou influencia uma nação.
É preciso reconhecer com honestidade: o marxismo cultural não “invadiu” o Brasil. Ele ocupou espaços que foram deixados vazios. Não se trata de terceirizar culpas, mas de assumir responsabilidades. Não nos faltou fé; nos faltou visão estratégica, unidade e perseverança no enfrentamento quando ainda havia tempo para conter o avanço.

Ainda assim, há caminhos de correção. Eles passam pela recuperação de uma visão integral do Reino de Deus — um Reino que transforma indivíduos, mas também influencia cultura, educação, leis e valores. Precisamos voltar a discipular mentes, não apenas comportamentos. Investir na formação de cristãos que atuem como professores, juristas, artistas, comunicadores e gestores públicos. Não apenas reagir à cultura, mas produzir cultura.
O Brasil não precisa de uma Igreja barulhenta, mas de uma Igreja lúcida, madura, preparada e presente. Uma Igreja que una profundidade espiritual com inteligência pública, oração com estratégia, fé com responsabilidade histórica.
Continuo acreditando que ainda há tempo. Não para nostalgia, mas para reposicionamento. Não para medo, mas para maturidade. Porque o chamado nunca foi apenas para salvar almas, mas para ser sal da terra e luz do mundo, exatamente onde a escuridão tentou se estabelecer.
Secretário Executivo da FENASP e da CONCEPAB
Presidente do Conselho de Pastores do Mato Grosso do Sul