Em uma tentativa ousada de desafogar a rede pública e reduzir a espera por atendimentos especializados, o Ministério da Saúde anunciou que, a partir de agosto, planos de saúde privados poderão atender pacientes do SUS como forma de quitar dívidas de ressarcimento acumuladas. A medida integra o programa “Agora Tem Especialistas” e promete converter R$ 750 milhões devidos pelas operadoras em consultas, exames e cirurgias em seis áreas estratégicas da saúde pública.
A decisão representa uma inflexão histórica na forma como o ressarcimento ao SUS será tratado. Até então, os valores cobrados das operadoras por atendimentos prestados pela rede pública a seus beneficiários iam diretamente para o Fundo Nacional de Saúde. Agora, essas dívidas poderão ser pagas em forma de serviços à população, em uma tentativa de aliar alívio orçamentário à ampliação do acesso à atenção especializada.
Segundo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, o programa rompe com a lógica meramente contábil e propõe um modelo centrado no paciente. “É a primeira vez que o SUS transforma dívida em atendimento direto. Os R$ 750 milhões que antes ficavam parados em processos vão se converter em exames, cirurgias e consultas em locais que mais precisam”, afirmou.
A proposta prevê o atendimento gratuito para pacientes do SUS em clínicas e hospitais privados conveniados aos planos de saúde. O foco será em especialidades com maior fila de espera: cardiologia, oncologia, ortopedia, oftalmologia, otorrinolaringologia e ginecologia. Estados e municípios vão informar suas demandas específicas, que serão atendidas conforme a capacidade das operadoras.
Para aderir, as operadoras precisam manifestar interesse na plataforma do Ministério da Saúde e comprovar capacidade técnica. Os atendimentos serão validados apenas após a conclusão de um pacote completo — os chamados “combos de cuidado” — que incluem consultas, exames e, se necessário, cirurgias. Só então o serviço será considerado como abatimento de dívida com o SUS.
O governo promete forte controle. “Todos os mecanismos de fiscalização permanecem ativos. Operadoras que negligenciarem seus usuários serão penalizadas”, garantiu Carla Soares, presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Ainda segundo a ANS, planos interessados deverão comprovar capacidade para realizar ao menos 100 mil atendimentos por mês — ou 50 mil, em casos específicos.
A adesão não é obrigatória, mas operadoras que participarem ganham benefícios como regularização fiscal e redução de litígios judiciais. Ainda assim, especialistas alertam para os desafios operacionais. “Transformar dívida em atendimento é inteligente, mas exige rigor absoluto na regulação e garantia de que o SUS continuará sendo prioridade — e não um peso transferido à rede privada”, avalia o economista e pesquisador em saúde pública Daniel Faria.
O governo acredita que a medida poderá dar um “salto extraordinário” no número de atendimentos sem exigir aportes extras no orçamento. Já os pacientes, especialmente aqueles há meses em fila por exames de média e alta complexidade, enxergam a possibilidade de um atendimento mais ágil e digno.
Na teoria, a medida une o melhor dos dois mundos: desafoga o sistema público e ativa a infraestrutura ociosa da rede privada. Na prática, a equação dependerá da eficiência do controle e da disposição real das operadoras de cumprir com o SUS — não apenas como estratégia de marketing, mas como dever de responsabilidade social.
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