Em audiência pública promovida pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) na tarde desta quarta-feira (27), debatedores divergiram em relação à proposta que cria a obrigatoriedade de um exame de proficiência para médicos ( PL 2.294/2024 ). Enquanto alguns convidados apontaram o exame como garantia de qualidade do serviço médico, outros sugeriram mudanças na forma de avaliação e indicaram que o foco deveria ser nos cursos e não nos alunos.
De autoria do senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP), o projeto é relatado pelo senador Dr. Hiran (PP-RR), que dirigiu a audiência. Pontes fez uma comparação, apontando que a maioria das pessoas teria resistência a pegar um avião cujo piloto ainda não tivesse passado por testes e exames nos órgãos oficiais. Assim, ponderou o senador, também deveria haver um teste de proficiência para o exercício da medicina.
— No hospital, sua vida está na mão do profissional médico. O exame de proficiência tem esta responsabilidade: de trazer segurança na saúde para a população — argumentou o senador.
Ele também citou uma pesquisa do Datafolha, divulgada nesta quarta, segundoo a qual 96% dos brasileiros defendem que os médicos façam uma prova para receber o registro profissional.
O requerimento para a audiência ( REQ 18/2025 - CAS ) foi apresentado pela senadora Teresa Leitão (PT-PE). O projeto está em análise na CAS após ter sido aprovado na Comissão de Educação (CE) em dezembro de 2024 . Hiran anunciou uma nova audiência sobre o tema no dia 3 de setembro.
— Temos debatido para aperfeiçoar o modelo. Sei que todos têm esse objetivo. As opiniões serão levadas em conta no meu relatório — registrou.
Apoio
O presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), José Hiran da Silva Gallo, se posicionou a favor do projeto. Ele disse que o Congresso Nacional é "o guardião da vida e da integridade dos brasileiros". Para Gallo, uma forma de cumprir essa tarefa é garantir a qualidade do exercício médico.
— É importante estabelecer que apenas médicos aprovados no exame de proficiência tenham o direito de assumir a missão de cuidar da vida dos brasileiros. O projeto é uma forma de proteger o paciente, o médico e a sociedade — declarou.
Segundo informou Gallo, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) já aplicou um exame parecido com o previsto no projeto. Ele disse que entre 2005 e 2011, quase metade dos candidatos foi considerada despreparada para o exercício da medicina. O exame deixou de ser obrigatório em 2015, por determinação judicial.
O presidente da Associação Nacional de Médicos Residentes (ANMR), Lucas Henrique Rinaldi Faidiga, disse que a aprovação do projeto é uma "emergência". Segundo Faidiga, o exame é uma forma de melhorar a formação médica e proteger os pacientes. Ele citou que países como Canadá e Estados Unidos já aplicam uma prova para conceder o registro a seus médicos.
Presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), César Eduardo Fernandes afirmou que o modelo de avaliação de proficiência já adotado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) se mostra necessário à aferição da capacidade técnica. O objetivo, segundo Fernandes, seria garantir a qualidade dos médicos ativos no país.
"Proposta falaciosa"
Por outro lado, a coordenadora-geral da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (Denem), Giovanna Lins Lima, disse que a "mercantilização da educação" compromete a qualidade dos cursos de medicina. Segundo ela, a proposta de exame de proficiência seria "falaciosa" por não atacar o problema na raiz. Ela apontou que a prova teórica não garante que o estudante tenha o conhecimento adequado da medicina e a apontou que o foco deveria ser nos cursos de formação.
— O caminho não é excluir, mas capacitar. O exame falha e favorece os interesses privados. Quem abandona o médico recém-formado está, na prática, abandonando o povo brasileiro — alertou.
Giovanna Lima fez uma defesa das cotas e das políticas públicas voltadas para os menos favorecidos e se emocionou ao lembrar do avô, lavrador e porteiro que morreu de covid em julho de 2020.
— Ele morreu antes de ver a neta entrar em um curso de medicina. Por isso, eu digo sim à política de cotas — registrou.
Enamed
A secretária de Regulação e Supervisão da Educação do Ministério da Educação (MEC), Marta Wendel Abramo, reconheceu que houve uma expansão "bastante forte" dos cursos de medicina nos últimos anos, mas elencou uma séria de medidas que a pasta vem adotando para buscar uma melhor qualidade nesses cursos. Segundo a secretária, há muita judicialização em processos de abertura e manutenção das cátedras.
— O MEC tem preocupação com a qualidade dos cursos de medicina. Temos, sim, uma expansão. Mas estamos tratando com cuidado e critério e atendendo uma pequena parte — informou a secretária, informando que, desde 2023, o governo atendeu cerca de 7% dos pedidos para novas vagas nos cursos de medicina.
Abramo destacou que o MEC lançou, no último mês de abril, o Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica (Enamed), com o objetivo de avaliar os cursos de graduação em medicina a partir do desempenho dos estudantes. Enquanto o projeto na CAS prevê o exame após a conclusão, as provas do Enamed serão aplicadas ao longo do curso, no quarto e no sexto ano.
A secretária também informou que, em 2026, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão ligado ao MEC, realizará visitas presenciais em todos os cursos de medicina do país.
Na visão do secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Felipe Proenço de Oliveira, a avaliação é "fundamental", mas não é "solução isolada". Ele defendeu o Enamed e disse que os exames de proficiência devem ser articulados a pontos como a regulação da abertura de cursos, a expansão planejada da residência médica e a implantação de políticas de provimento e fixação de especialistas.
"Apagão"
A médica e professora Ludhmila Abrahão Hajjar, conselheira da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação do MEC, manifestou apoio à intenção do MEC em aplicar o Enamed ao longo do curso de medicina e apontou que as mudanças estruturantes são as mais efetivas.
— Se fizermos prova durante a graduação, vamos ter a oportunidade de aplicar as políticas públicas estruturantes que precisamos. Temos que avaliar, sim. Mas temos que avaliar para transformar — declarou.
Hajjar reconheceu os méritos do projeto de lei, mas alertou que muitos estudantes têm formação inadequada e pouco acesso às práticas hospitalares, e o exame de um estudante de medicina já formado pode ser uma prova "tardia" e "punitiva". Ela também pediu união para superar esse "apagão" dos cursos de medicina.
Para a presidente da Academia Nacional de Medicina (ANM), Eliete Bouskela, o Brasil pecou no planejamento do exercício da medicina. Ela chamou de "descalabro" a situação atual de muitos cursos de medicina e criticou a "falta de humanidade" na relação médico-paciente. Ela reconheceu que uma avaliação seriada, como prevista no Enamed, é mais eficiente, mas manifestou preocupação com as questões técnicas para esse tipo de prova.
A senadora Zenaide Maia (PSD-RN), que é médica, disse que o projeto tem o mérito de ter despertado o governo e a sociedade para a qualidade do exercício da medicina. Ela defendeu mais recursos no orçamento para a saúde pública e um atendimento mais humanizado.