
A primeira instituição credenciada para operar no Brasil é a plataforma de pagamentos China Interbank Payment System (Cips), o sino-brasileiro Bank of Communications BBM (Bocom BBM) projeta para julho o início da compensação de operações entre Brasil e China sem o uso do dólar.
No último dia 29 de março, o Bocom BBM assinou um acordo para aderir ao Cips, durante missão de autoridades do Brasil na China.
O Brasil será o primeiro país da América Latina a ter acesso ao sistema chinês, que opera de forma equivalente ao ocidental Swift, sistema que conecta milhares de instituições financeiras em todo o mundo.
“Assinamos o acordo para ser membro. O sistema vai estar plenamente operacional na segunda metade do ano. Nossa meta é que seja algo ao redor de julho”, disse Alexandre Lowenkron à Reuters, presidente-executivo do Bocom BBM.
Acordo entre Bancos Centrais: Fim do Dólar
O Banco Central do Brasil (BCB) e o Banco Central da China (People’s Bank of China ou PBC) assinaram em 31 de janeiro um Memorando de Entendimentos (MoU) para aperfeiçoar a cooperação em serviços financeiros relacionados ao mercado e negócios em renminbi (RMB), nome oficial da moeda chinesa, mais conhecida no mundo ocidental como yuan.
Esse acordo permite que as operações comerciais entre os países dispensem a liquidação via câmbio – usando o dólar – fazendo diretamente de reais para yuan.
Com isso, espera-se que os custos das operações sejam reduzidos, já que, atualmente, um importador brasileiro precisa, por exemplo, comprar dólares para efetuar pagamentos a exportadores chineses, que por sua vez precisam converter os dólares na moeda local.
Logo, com a liquidação sem o uso da moeda-norte americana, o custo tende a diminuir.
Conversão do "real" para "yuan"
O Bocom BBM diz esperar também que o sistema de conversão entre real e yuan abra espaço também para operações de financiamento em moeda chinesa e de swap cambial para proteção de investimentos nos dois países, sempre sem o uso do dólar.
Dados do Banco Central mostram que 5% do estoque de Investimento Direto no País, considerando a participação no capital, são de responsabilidade da China, ou cerca de US$ 30 bilhões, pelos números de 2021.
“A oferta de produtos financeiros, para além da liquidação de câmbio, é um elemento importante. Principalmente operações de hedge com prazos longos, seja para brasileiros que investem na China ou para chineses que estão olhando para o Brasil”, afirma Lowenkron.
O Banco Bocom BBM surgiu a partir de duas instituições financeiras com histórias na China e no Brasil:
Liquidez da moeda chinesa no Brasil
Em nota, o Banco Central do Brasil informou que, “por força de normas chinesas”, o próprio Banco Popular da China elege uma instituição para operar no Brasil como uma Offshore Clearing Bank, ou seja, uma instituição que fará as compensações de divisas diretamente.
O BCB avalia que o acordo traz benefícios como o aumento da liquidez da moeda chinesa no Brasil, a manutenção de reservas cambiais em moeda forte no país, a redução de intermediários nos pagamentos internacionais e aproximação do sistema de pagamentos local ao chinês.
A autoridade monetária ressalta que “não se trata de um sistema de pagamentos de transações comerciais, mas um instrumento que permite que as transações sejam feitas em RMB – yuan- e convertidas em reais de forma mais rápida e menos custosa.”
Moeda chinesa em 25 países
De acordo com um relatório divulgado em novembro do ano passado pelo Banco do Povo da China (PBC, o banco central chinês), existem 27 “clearing houses” da moeda chinesa fora da China em 25 países, como Canadá, Alemanha, França, Catar, Austrália e até os Estados Unidos. A primeira delas foi iniciada em Hong Kong em 2003.
América do Sul, Chile e Argentina
Na América do Sul, Chile e Argentina já detêm esse tipo de laço com o gigante asiático.
O acordo tem sido entendido como uma boa notícia por especialistas, à medida que estreita as relações Brasil-China e oferece uma alternativa à moeda norte-americana e suas flutuações.
“É uma notícia muito boa para os dois países. Para o Brasil, é aquela velha história de não colocar todos os ovos em uma cesta só”, afirma Isabela Nogueira, professora do Instituto de Economia da UFRJ e coordenadora do LabChina (Laboratório de Estudos em Economia Política da China), núcleo também vinculado à federal fluminense.
“Reduzir o ponto de intermediação, que significa duas conversões, reduz os custos de transação. Nesse sentido, não é só o yuan que traria benefícios para o Brasil, mas qualquer tentativa com outros países que diversifique a moeda transacional.”
Geopolítica “mundo plurimonetário”
Para a China, porém, a medida enverga também para a seara geopolítica. Reduzir a dependência do dólar e aumentar a circulação do yuan é uma das principais linhas de atuação da política externa do governo Xi Jinping, que afirma desejar um “mundo plurimonetário” — ou seja, com opções de moedas para transações bilaterais além do dólar.
“Isso é uma tentativa de contornar o poder estrutural do dólar no sistema monetário internacional, que dá aos Estados Unidos, na prática, o poder de interferir no raio de manobra dos demais Estados ao explorar a dependência da moeda, ou eventualmente impor sanções”, explica Nogueira.
“bomba-dólar”
Isso foi demonstrado, segundo a especialista, na Guerra na Ucrânia, com a apelidada “bomba-dólar”. Desde a invasão ao território ucraniano, Estados ocidentais têm imposto sanções econômicas à Rússia como forma de conter — ou tentar — o conflito, e o bloqueio de US$ 300 bilhões do total de US$ 640 bilhões de reservas internacionais russas veio para minar alguns dos recursos financeiros do país.
“É uma arma muito efetiva, disponível só para os Estados Unidos, porque só eles têm um poder estrutural assim na economia global. A moeda pode se converter em um instrumento de coerção. Nesse sentido, a China está cavando uma pequena trincheira para conseguir fazer frente ao dólar, pressionando países para a criação de clearing houses.”
Dólar x Yuan
A moeda norte-americana é usada em 88% de todas as transações globais, de acordo com a última pesquisa trienal do Bank for International Settlements (BIS), publicada em 2020. O yuan, por outro lado, fica com 7%.
Yuan ultrapassa o Euro
Em 31 de março, o relatório o Banco Central (BC) mostrou que o yuan chinês ultrapassou o euro e se tornou a 2º moeda mais importante nas reservas internacionais brasileiras. O que indica um aprofundamento dos laços econômicos do Brasil com seu maior parceiro comercial.
Até 2018, o yuan estava ausente das reservas estrangeiras do país e agora representa 5,37% do total (dados de final de 2022), superando a participação de 4,74% do euro.